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As narrativas de si na Antropologia

  • 19 de mar.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 22 de abr.




A escrita de si na antropologia emerge como um campo de tensão entre a subjetividade do pesquisador e a necessidade de rigor analítico. Desde a crise da representação nos anos 1980, impulsionada por obras como Writing Culture (Clifford & Marcus, 1986), a etnografia passou a incorporar novas formas narrativas, desafiando o paradigma positivista da objetividade. Nesse contexto, a autoetnografia ganha relevância como método que permite ao antropólogo explorar sua própria experiência como parte do processo de pesquisa.

Ruth Behar (1996), em The Vulnerable Observer, argumenta que a vulnerabilidade do antropólogo deve ser reconhecida como parte essencial da produção etnográfica. Para Behar, a escrita etnográfica não pode ignorar as emoções e o envolvimento pessoal do pesquisador no campo. Esse posicionamento dialoga com a proposta de Jeanne Favret-Saada (1990), que, ao investigar as experiências de feitiçaria na França rural, percebeu que a compreensão do fenômeno só era possível quando ela própria se tornava parte da narrativa. Ambas as autoras questionam a ilusão de uma etnografia neutra e despersonalizada, defendendo uma abordagem mais implicada, onde a escrita de si se torna um instrumento para acessar realidades subjetivas e complexas.

Além da autoetnografia, a escrita de si se manifesta na antropologia através das histórias de vida, um método que busca reconstruir trajetórias individuais a partir da memória e da experiência pessoal. No entanto, Pierre Bourdieu (1986), em A Ilusão Biográfica, problematiza essa abordagem ao argumentar que as biografias muitas vezes criam uma coerência artificial, organizando eventos de forma linear e teleológica. Essa crítica permite refletir sobre os limites das narrativas autobiográficas na antropologia: até que ponto a reconstrução do passado é uma forma de conhecimento legítima e até que ponto ela é uma construção ficcional?

Suely Kofes (2001), por sua vez, propõe uma leitura mais flexível da autobiografia na antropologia, reconhecendo seu potencial heurístico. Em Autoetnografia, Escrita e Experiência, a autora defende que as narrativas pessoais não devem ser vistas apenas como relatos subjetivos, mas como formas de compreensão do mundo social. Ao integrar diferentes perspectivas – a do pesquisador e a dos interlocutores –, a escrita de si na antropologia amplia a compreensão da experiência humana, tensionando os limites entre ciência e literatura.

Dessa forma, a escrita de si na antropologia não apenas desafia os modelos tradicionais de representação etnográfica, mas também abre caminhos para novas formas de conhecimento. Ao reconhecer o papel da subjetividade na pesquisa, a antropologia contemporânea aproxima-se de outras formas artísticas e literárias, criando um campo híbrido onde a experiência pessoal se torna um meio legítimo de investigação e reflexão.

 
 
 

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