O Cinema Pessoal
- Kelen Pessuto
- 19 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de abr.
O cinema, desde suas origens, tem sido um meio de expressão individual e coletiva, mas foi a partir do século XX que cineastas começaram a explorar a si mesmos como tema central de suas obras. O chamado cinema pessoal surge como uma forma de escrita de si na linguagem audiovisual, muitas vezes situado entre o documentário, a autoficção e o ensaio fílmico. Nessa abordagem, a experiência subjetiva do cineasta se torna o eixo narrativo, revelando aspectos autobiográficos, memórias e afetos de maneira híbrida e experimental.
Entre as principais cineastas que exploraram essa vertente, destacam-se Agnès Varda e Chantal Akerman, cujas obras tensionam os limites entre realidade e subjetividade, entre memória e construção narrativa.

Agnès Varda, uma das pioneiras do cinema ensaio e do cinema autobiográfico, fez de sua própria vida matéria de criação. Em Os Catadores e Eu (2000) e As Praias de Agnès (2008), a cineasta francesa combina memórias pessoais, imagens de arquivo e reflexões metalinguísticas sobre o próprio fazer cinematográfico. Sua abordagem é fragmentada e poética, recusando a linearidade biográfica e enfatizando a relação entre a memória individual e a história coletiva.
Já Chantal Akerman explora a escrita de si de forma intimista e, muitas vezes, melancólica. Em News from Home (1977), a cineasta belga combina imagens de Nova York com cartas enviadas por sua mãe, criando um diário visual sobre a solidão, a distância e a relação familiar. Em No Home Movie (2015), seu último filme, Akerman documenta os últimos anos de vida de sua mãe, uma sobrevivente do Holocausto, utilizando registros caseiros e conversas íntimas que transformam o filme em um testamento afetivo.
O cinema pessoal também se aproxima de outras formas de escrita de si, como os diários e a autoficção. Filmes autobiográficos não necessariamente buscam uma fidelidade documental, mas criam novas formas de narrar a identidade e a experiência subjetiva. Além disso, a presença do corpo do cineasta na imagem – seja em aparições diretas, seja na narração em off ou nas escolhas estéticas – reforça o caráter autorreferencial dessa escrita cinematográfica.
Nesse sentido, o cinema pessoal opera como um espaço de experimentação da memória, desafiando os limites entre o real e o representado. Assim como na literatura e na antropologia, ele questiona a noção de uma verdade absoluta sobre o "eu", apostando em uma construção fragmentada e sensível da identidade.
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